CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE, por Gilmar Gomes

Gilmar Gomes – abril 2012
Núcleo de Economia Solidária/FCE/UFRGS

Introdução

Este texto é de nossa inteira responsabilidade e não representa necessariamente o pensamento do Movimento “É hora de Ressignificar”. Mas como ficará evidente, não apenas por ter representado a CSD no Congresso, temos total acordo com sua tese.

Nosso objetivo aqui é participar do debate presente em nossa categoria sobre os rumos que devemos tomar para alcançarmos vitórias que resultem em conquistas salariais bem como em resultados financeiros. Mas não somente. Que possam também contribuir para a qualificação de nossa carreira, bem como para a qualificação de nosso dia-a-dia o que impõe que sejam incluídos em nossas discussões assuntos relativos, por exemplo, às questões ambientais indo além do “blá-blá” da mídia de mercado que já se apropriou de nossas bandeiras e agora quer ditar nossos passos.

Por força de nossa convicção de esquerda, somos obrigados a problematizar certas “verdades” ainda presentes no discurso da extrema-esquerda que considera que questões como as ambientais ou mesmo a temática da economia solidária não são centrais, pois com a tomada do poder todos esses problemas se resolverão. Nós, diferentemente, consideramos que o Planeta não terá esse tempo para esperar. Por isto devemos olhar essas questões de frente.

As questões levantadas aqui partem da nossa experiência enquanto militante sindicalista*, de nossas experimentações concretas nas atividades de técnico em incubação de empreendimentos de economia popular e solidária na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da UFRGS amparadas, sobretudo, em nossas convicções políticas e visão de mundo. Discorre a partir da experiência vivida no XXI Congresso da Fasubra depois de quase 20 anos de afastamento da militância sindical e, portanto, da participação em congressos de nossa Federação.
*embora tenhamos sido dirigente da Assufrgs entre 84 e 93 e tendo nos afastado da estrutura sindical nunca abandonamos nossas convicções sindicais e nossa convicção socialista.

I – Uma tentativa de análise de conjuntura

Partimos do seguinte olhar: vive-se hoje em um novo tipo de acumulação capitalista, a economia flexível que caracteriza-se pelo abandono da produção em série optando por uma produção que envolve alto grau de terceirização. Salienta-se para esta análise o uso intensivo de novas tecnologias cada vez mais substituindo a mão de obra presencial.  Há também uma espécie de personalização do cliente mais direcionada ao “gosto” do consumidor. Ao mesmo tempo há uma banalização da tecnologia convertida em consumo alienado criando para os cidadãos “necessidades” que não necessariamente estavam em nossas agendas. Além disso, incluiu novas formas de controle do trabalho, como os círculos de qualidade total, o método kamban e o just in time. Essa “nova cara” do Capital surge no contexto de uma globalização desigualmente articulada em meio às crises estruturais que resultaram em forte impacto na produção, no consumo e na relação dos trabalhadores com os patrões em nível mundial. Assim, conquistas históricas dos trabalhadores que acumulavam vitórias neste campo desde a II Guerra foram perdidas no interior do processo da acumulação flexível. Nesse sentido, com o passar do tempo, a concepção do emprego formal vai desaparecendo e, no seu lugar, vão surgindo novas formas de emprego, tais como os empregos temporários, os serviços de proximidade, a terceirização, entre outros. Nossa categoria compreende bem essas “inovações” capitalistas, pois percebe que o funcionalismo público míngua enquanto os quadros profissionais vão sendo ocupados por empregados terceirizados.

Isto pode até não estar nos afetando hoje, mas o contexto no qual estes fatos estão acontecendo deve nos preocupar. A escalada de ataques às nossas conquistas, em escala mundial, significa um retrocesso que fragiliza nossa luta sindical. Por isto mesmo, devemos reconhecer que foi um avanço o Plano de Lutas aprovado no XXI Congresso. Dentre tantas discussões estéreis e irrelevantes, em nosso modo de ver, pelo menos este compromisso foi possível e todas as forças políticas lograram unidade e agora é o momento de manter-se esta unidade para a Luta e buscarmos evitar que nossas diferenças político-partidárias impeçam o cumprimento do maior objetivo de um Sindicato que é o de lutar por sua categoria.

Estas questões impõe que repensemos nosso fazer seja na relação do dia-a-dia quanto em nossas estratégias de resistência e de avanço nas conquistas financeiras e profissionais. Nossa forma de “mobilizar” a categoria tem que ser revista? Estamos conseguindo “encantar” a categoria como um todo ou estamos nos perdendo ao fracionar ações focando este ou aquele quadro funcional?  A greve ainda é um instrumento eficiente? São perguntas.

Por outro lado, o que assistimos neste momento é uma sucessão de crises financeiras em países que até a algum tempo eram considerados como o suprassumo da vitória do sistema produtor de mercadorias. Nada extraordinário. A forma atual de exercer o poder da economia de mercado impôs a destruição do Estado Nacional enquanto abrigo do cidadão. Na Europa, palco da atual sucessão de crises financeiras, havia o Estado de bem-estar que, ainda que escamoteasse a pobreza latente ou evidente nos países centrais considerava todos como iguais desde que, claro, fossem “nacionais”. Perguntem ao imigrante na Europa como é o seu bem-viver?

Então, partimos da constatação de que o Capital acumula em sua história uma série de crises sejam essas de acumulação, de superprodução, recessão ou ainda relativas à escassez de matéria-prima em função da voracidade ambiental que este sistema tem na ânsia do lucro.

Enganam-se, por outro lado, aqueles que pensam que essa conjuntura de crise signifique, ou indique que o capitalismo enfraquece. O Capital se recicla e para isto o Estado Mundial Totalitário passa recorrer de todas as formas, muitas vezes se apropriando de bandeiras de lutas nossas como têm ocorrido com pautas e agendas ambientais. Hoje não serve mais vender comida com veneno? Sem problemas, a Nestlé e outras grandes corporações capitalistas já são os maiores cultivadores de produtos agro-ecológicos. A All Mart, de propriedade da família Rockfeller, saiu na frente: oferece ao cliente sacolinha “ecológica” para ajudar o Planeta.

Então é preciso que tenhamos uma boa reflexão sobre estes assuntos. Cuidado para não fazermos exatamente o que o Sistema que nos cerca quer. As ONGs estão aí para nos lubridiar. A WWF e o Greenpeace têm orçamento maior do que grande parte das pequenas empresas nacionais. E você acha que é por causa da sua contribuição de R$ 10,00 ao mês?

O momento então é ímpar para que nossas reflexões, vontades, disposição para à Luta e combatividade somadas ao desejo que não morre de transformar este Mundo em um território de liberdade, de direitos assegurados, de uma nova forma de viver juntos sem nenhum tipo de preconceito, rancor, ou discriminação, de um reencontro com Pacha Mama possa gerar ideias e ações transformadoras onde o homo possa se relacionar com o ambiente e seus ocupantes de forma harmônica. Um outro mundo é necessário, mas é preciso con-s-ciência de que é, sobretudo, necessário negar as velhas formas de viver onde o Capital e seus lacaios determinam o nosso “bem-viver”. Abrir mão das “delícias” capitalistas que nos escravizam. Estamos preparados para isto?

II – Conjuntura Nacional

O Brasil, país de economia periférica e enquanto parte do Grande Jogo não é exceção e tem se movimentado no tabuleiro capitalista alternando, desde o início da República, formas mais ou menos submissas aos ditames do Estado Mundial Totalitário.

A esquerda, considerada aqui como denominação genérica que engloba tendências políticas que inclui de moderados à extrema-esquerda, sempre almejou a chegada ao governo como catapulta à tomada do Estado e, portanto, de livre vontade participa historicamente do jogo “democrático” das eleições em seus diversos níveis com todas as suas armadilhas.

Historicamente essas forças políticas se associaram a frações da sociedade organizadas nos movimentos sociais, sindicatos, igrejas e movimentos estudantis levando em frente, em que pese às eternas querelas epistemológicas sobre quem mesmo é o mais radical e mais socialista, um movimento que resultou na primeira experiência político-partidária com abrangência social capaz de chegar ao governo: o Partido dos Trabalhadores. Não se pretende aqui omitir ou obscurecer a experiência dos PC’s e suas contribuições à luta democrática, mas é justo dizer que a capacidade que obteve de “ganhar” a sociedade realizada pelo PT tornou-se ímpar na história brasileira. Tudo isto, claro, teve um preço.

Não se faz necessário aqui discorrer em demasia sobre as conjunturas específicas de cada momento vivido pelo povo brasileiro em suas organizações políticas, em última instância, previstas pelo Estado Mundial Totalitário que aceita inclusive nossa opção de esquerda e nossas eternas dissidências mas é preciso salientar que nos preparamos mal para a chegada ao governo implementada pelo PT e seus aliados coerentes onde ocupa um lugar importante o PC do B. Sobre os aliados “incoerentes” e que são aliados, sobretudo, do Estado Mundial Totalitário resta dizer que nossas reflexões e ações anteriores não conseguiram lograr outra forma de dominar um governo. No caminho, como todos sabem, aliados de verdade tornaram-se estranhos a nós e – desembarcaram da construção coletiva – produzindo novas forças políticas que arvora o “verdadeiro socialismo”.

Não se pergunta muito por que o rumo, que foi coletivo e agora definha no non-sense do Estado burguês, tomou a forma atual. Estamos divididos, de acordo com o que foi visto no XXI Congresso da Fasubra, em “governistas” e "revolucionários”. Não nos permitimos dizer que seria entre “governistas” e “socialistas” porque não abrimos mão das convicções que nos fornecem o Sul necessário para viver com saúde política. Somos e sempre seremos socialistas ou seja lá o nome que daremos ao “Outro Mundo”.

Temos discordâncias com a extrema-esquerda, mas esta não é nossa inimiga. Nosso inimigo comum é o Estado Mundial Totalitário. Mas tivemos a impressão, desde o Congresso, que não é assim que pensa a extrema-esquerda . Convidamos @s comp@s à coerência. Afinal para chegarmos ao socialismo precisamos, sobretudo, estarmos juntos.

O governo do PT somados aos aliados coerentes merece algumas considerações. Em primeiro lugar a forma híbrida associada aos que sempre estiveram no Poder (aliados de mercado) gerou reações que transitam desde o cinismo ao desencanto. Os cínicos são aqueles que aceitam tudo isto como “natural” seja por dinheiro ou por poder-vaidade. Os decepcionados “saltaram” do barco alegando “coerência”. Supunham as forças políticas de esquerda que chegaríamos ao “paraíso” com a conquista do governo, Isto não se deu e nem poderia dar-se pois até para uma criança fica claro que é muito diferente chegar ao governo e chegar ao “Poder”. Governar um estado capitalista é, antes de qualquer coisa, fazer o Jogo.

Desde 2003 o Brasil vive uma nova fase. De natureza ambígua, este governo vive o dilema de cumprir suas promessas em especial, em relação aos mais necessitados, o povo pobre e cumprir seus compromissos com o Estado Mundial Totalitário que, através dos Organismos Multilaterais e seus “aliados” abrigados nos partidos de centro e de direita, ditam as regras e o comportamento econômico-social a ser seguido pelos ocupantes do governo. O desmonte do Estado, a banalização da corrupção e o ataque aos direitos sociais é a receita da OMC e do Banco Mundial que merece nossa revolta e deve alimentar a nossa força para a Luta.
Por outro lado, é inegável que uma série de medidas tomadas pelo governo do PT tem o caráter de ineditismo pois até hoje nenhum governo havia se dedicado ao combate das situações de pobreza . Alguns dirão que são medidas paliativas. Certo, o que nós devemos exigir é dignidade para o povo brasileiro. As políticas de apoio à pobreza são incipientes, meramente compensatórias. Devemos lutar por políticas públicas que de fato emancipem o povo brasileiro da situação de pobreza mas não se pode negar que essas medidas ainda que precárias retiraram milhões de brasileiros do espectro da fome. E isto não é pouco.

“O Governo Lula iniciou a transição do neoliberalismo para o modelo próximo ao social-desenvolvimentista. É um novo tipo de desenvolvimento que tem sido gestado. O Estado passou a fazer parte da solução dos problemas. Reafirmou-se a soberania nacional, reorientou-se a inserção internacional, formou-se uma significativa reserva cambial, redirecionou-se o comércio externo e foi estabelecida uma dinâmica de cooperação técnica para o âmbito das relações entre os países do Sul. Houve ampliação do gasto social de 19% para 22% do PIB, com a inclusão de mais de um terço da população brasileira em programas de garantia mensal de renda. OS bancos públicos assumiram importante papel com o fornecimento de crédito mais barato e com o financiamento público de obras de infraestrutura social.
Há um evidente contraste entre o Brasil da década de 1990 e este que vivemos atualmente. Aquela década viveu um dos piores desempenhos socioeconômicos de todo o século XX.
A transição do neoliberalismo para o social-desenvolvimentismo permitiu que o Brasil pudesse iniciar a retomada de uma sociedade salarial. Trata-se de um quadro social fortemente impulsionado pelo avanço do emprego assalariado, especialmente com carteira assinada. O novo ciclo de desenvolvimento nacional permitiu a ampliação generalizada do consumo popular, sobretudo no terço de menor renda.
Temos um alvo fundamental a atingir: superar a natureza liberal do Estado brasileiro, que mantém a correlação de forças fortemente favorável à classe dominante.
A natureza liberal do Estado brasileiro é formada pelos privilégios rentistas, mercantis, tributários, patronais e de propriedade, patriarcais e racistas, formados na ausência ou na mitigação do princípio da soberania popular, em geral avessos aos princípios republicanos mais fundamentais.
A natureza liberal do Estado brasileiro deve ser substituída por outras fundamentações, que permitam construção de um Estado da Solidariedade, Feminista e Multiétnico, orientado pelos valores do socialismo democrático.
A eleição da Dilma Roussef representa a continuidade do projeto político implementado pelo presidente Lula e de um modo geral tem feito opções estratégicas que reforçam a opção de superar a miséria e pobreza extrema e diminuir a desigualdade social, porém ainda assim tem limites e traços pontuais da política neoliberal, tais como criação da EBSERH, a recente privatização de aeroportos, reforma da previdência (criação do Funpresp) e a política de combate á crise empregada em 2011, fruto de seu caráter de coalizão e de uma correlação de forças no parlamento que impõe alianças e medidas contrárias ao interesse dos trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo do serviço público. Essa conjuntura apresenta como desafio à Fasubra e aos movimentos sociais a disputa de rumos do Estado.” (reprodução da Tese Ressignificar com a qual temos total acordo).


É HORA DE RESIGNIFICAR!

Com o que foi dito acima, deixamos claro que nossa visão dos rumos a serem tomados passa pela disposição de todas as forças políticas à unidade na ação, para a retomada de uma escalada de lutas que culmine em novas conquistas para nossa categoria bem como oriente nossos passos na disputa de rumos do Estado.

Com isto também deixamos claro nossa posição que, por um lado, defende este governo legitimamente eleito e com níveis de aprovação jamais vistos na história brasileira mas ao mesmo tempo não abre mão da Luta compreendendo que, os rumos do governo ou seja sua inclinação mais favorável aos interesses da classe trabalhadora e do povo de modo geral estão em disputa. Nossas ações conjuntas podem fazer a diferença. Uma escalada de lutas que tenha no horizonte a construção de greves gerais que envolva todas as categorias de trabalhadores organizadas por suas Centrais Sindicais poderá resultar em transformações estruturais que não apenas garantam nossos direitos como permita que ditemos os rumos deste governo. Mas para isto é necessário que as forças políticas se desarmem e compreendam que seu compromisso maior é com a libertação do Povo e não apenas com seus princípios ideológicos evitando que o sectarismo obscureça a capacidade que temos de construir juntos alternativas emancipatórias.

Por outro lado, devemos incluir em nossas discussões questões que foram temas no XXI Congresso como a questão ambiental. Devemos procurar incorporar em nosso dia-a-dia novas atitudes mais coerentes com o Outro Mundo que desejamos fazer acontecer. Para isto é necessário ir além das “receitas” da Globo que quer nos dizer como fazer para economizar água, por exemplo, controlando o fluxo de água para escovar os dentes e que ao mesmo tempo a emissora nada comenta sobre a privatização dos rios que o agronegócio se utiliza para a exportação de commodities.  

É necessário que tenhamos uma atitude de compromisso com nosso consumo buscando refletir que a banalização do consumo serve apenas ao Capital e que devemos sobretudo ser cidadãos e não apenas consumidores.

A economia solidária – ES foi outra temática que teve lugar no XXI Congresso em uma Mesa de Discussão. A economia solidária é uma nova forma de produzir baseada no trabalho coletivo, na gestão coletiva dos processos produtivos, no uso de tecnologias alternativas (tecnologias sociais) tendo como meta harmonizar-se com o ambiente que nos cerca. 

A ES envolve um conjunto de atividades em áreas como produção, prestação de serviços, comercialização e consumo, organizados por empreendimentos coletivos, solidários e autogestionários que podem tomar a forma de cooperativas, associações e/ou microempresas e cujo objetivo é a geração de trabalho, renda e desenvolvimento de novas relações de produção e de novas relações sociais.
Ao questionar o consumo alienado e ao buscar a realização do comércio justo e do consumo consciente a E. S. pode contribuir para que nossa categoria compreenda as possibilidades que temos de construir juntos alternativas como, por exemplo, de compras coletivas quando um conjunto de famílias se junta para adquirir alimentos ou outros produtos logrando preços muito mais favoráveis do que a compra individual. Para nossos aposentados, a ES pode ser uma alternativa de geração de renda bem como uma forma de socialização e de estímulo à saúde tanto física quanto espiritual.

Enfim, essas são nossas impressões e a manifestação de estar junto com tod@s que desejam continuar a Luta do nosso sindicato e Federação. Estamos juntos.

P.S.: Quem quiser saber mais sobre as ações que a Incubadora de Economia Solidária pratica em nossa UFRGS pode acessar nosso blog: neaufrgs.wordpress.com